sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

TODOS OS GATOS SÃO PARDOS?


 

A caça aos votos, orientada por especialistas em mercadologia política, aboliu, na prática, a necessidade de que os partidos e os candidatos tenham, cada qual, uma feição própria, uma proposta clara que implique compromissos claros. As pesquisas tratam de identificar o que é que o povo quer ouvir, indicando ao postulante o que é que ele deve falar. Assim, as promessas de campanha acabam sendo todas iguais. Pequenas diferenças não impedem até mesmo que um candidato acuse o outro de ter roubado suas ideias.

É simbólico o fato de que, nos debates televisivos, todos os candidatos se apresentem com indumentária semelhante, supostamente a que impressionaria de forma mais positiva o eleitorado: o terno escuro, com uma gravata colorida discreta; o conjuntinho de saia e blusa à executiva. Todos e todas iguais.

Ao final, a mesmice é tamanha que o eleitor acaba criando critérios nada a ver para decidir seu voto.

Um deles é a probabilidade de vitória. Nesse contexto, a propaganda explora o sentimento popular mais primitivo, que é o de não querer perder. A derrota do seu escolhido configuraria para o eleitor uma derrota sua, por um processo identificatório induzido sutilmente pela mídia, que vincula o sufrágio à ideologia do sucesso como padrão de realização da vida. Daí a importância decisiva das pesquisas de intenção de voto e das manipulações a que estão sujeitas.

Outro lamentável desdobramento da homogeneização programática é a escolha por critérios de aparência pessoal. O político "bonitão" tem mais chance que o feioso. A juventude conta, numa certa medida, de tal forma que as fotos dos santinhos e cartazes sempre mostram o candidato numa idade anterior à atual. O bem falante, treinado em oratória, tem mais chance de ganhar votos do que aquele que tem um discurso pouco fluente ou uma dicção grosseira.

A exploração de critérios que nada tem a ver com a linha de atuação política adotada pelos candidatos chega a ser odiosa. Expõem-se particularidades da vida pessoal, tais como sexualidade, relações amorosas, afiliação étnica, enfermidades, problemas financeiros, coisas que sequer sinalizam uma linha ética ou, menos ainda, condições para o exercício do cargo pretendido. O que se utiliza como recurso para captação de votos e o preconceito, devidamente estimulado. Deseduca. Engana.

Um fenômeno recente é o empalidecimento da linha que demarcaria posições de esquerda e direita. Numa perspectiva tradicional, a diferença entre elas poderia ser relevante para a definição do voto, uma vez que a direita propõe melhorias dentro da ordem social vigente, sem mexer nas estruturas, apenas buscando maior eficiência na gestão do estado, enquanto que a esquerda propugna por mudanças estruturais, defendendo a ideia de que uma ordem social perversa preserva e multiplica as injustiças. Sob esse prisma, a direita seria "conservadora", enquanto que a esquerda seria "progressista".

Essa bipolaridade não corresponde à realidade, na medida em que a multiplicidade de pensamentos políticos não poderia receber esse enquadramento de forma estrita. Por outro lado, nem seria conveniente estimular a abordagem maniqueísta, que atribui à posição preferida o caráter de "bem", enquanto que a oposta configuraria o "mal". Houve uma tentativa dessa ordem, ditada pela mente estreita do militarismo que dominou o país após o golpe de 1964, que instituiu o bipartidarismo, situação e oposição. Não foi possível acomodar todas as correntes dentro do mesmo caldeirão, o que levou ao remendo das sublegendas, três partidos dentro de cada partido. Essa camisa de força apenas serviu para o controle temporário do processo político que, ao final, acabou transbordando, abrindo caminho para o multipartidarismo relativo, atual.

O ideal seria, mesmo, que o debate político revelasse a multipolaridade, com todas as nuanças das diferentes propostas políticas. O sistema que temos no presente não permite isso, favorecendo a indiferenciação e, como conseqüência, o surgimento das chamadas legendas de aluguel, meras fachadas jurídicas para viabilizar interesses nem sempre confessáveis.

Dentro desse quadro, o processo eleitoral assume características de verdadeiro estelionato, arrancando da comunidade uma procuração com plenos poderes, para gerir os interesses coletivos, com base em artimanhas enganosas.

 

Um comentário:

teresa arruda disse...

Moysés,

Estou tendo minha primeira experiência na máquina pública como superintendente do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Trabalhei como consultora em muitos projetos de prefeituras e ministérios, mas confesso que nunca pensei em viver de perto a confusão entre o público e o privado. Os desmandos, superfaturamentos, uso particular e interesseiro da autarquia, são alguns exemplos que estão me assustando. Um grande desafio para 2009: resgatar a seriedade da instituição, devolver aos funcionários o valor da experiência acumulada e tornar o Arquivo um ponto de cultura e democracia participativa são algumas das metas que me mobilizam. É triste chegar a um lugar e se deparar com o que foi deixado (ou melhor, o que foi levado...)
abç, seu artigo pode nos inspirar muito.
teresa arruda